sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Carrinho Ajeitado


No início da fase adulta, tornei-me proprietário de um Fusca amarelo, bem amarelo, diga-se de passagem. Tratava-se de um veículo simples e muito limitado em matéria de conforto, potência e beleza, de modo que se tornava motivo de piadinhas em diversas ocasiões. Mas era ele que nos levava ao trabalho e à escola nos dias de chuva que, outrora, causavam-nos tanto transtorno. Era o Fusca que facilitava nossa locomoção na cidade grande em que morávamos, permitindo-nos cumprir os horários e aproveitar bem o tempo, livrando-nos das longas esperas nos pontos de ônibus. E, apesar dos seus mais de vinte anos de uso, era o “canarinho”, um de seus codinomes, que nos conduzia nas viagens realizadas uma ou duas vezes mensais num raio de até duzentos quilômetros. Estas e outras coisas fizeram com que o já cansado e limitado Fusquinha amarelo fosse muito querido e tivesse grande valor para nós, fato que nos motivava a mantê-lo sempre limpinho e, dentro do possível, em bom estado, usando ainda de bastante paciência para com ele quando não atendia a todas as nossas expectativas. É interessante notar que o apreço que tínhamos pelo carro era tão marcante que parecia inspirar outras pessoas a terem a mesma afinidade por ele, fazendo com que várias delas, sem mais nem menos, chegassem perto do Fusca, colocassem a mão em sua lataria e dissessem: “Carrinho ajeitado, hein?!”. Pra nossa surpresa, foram muitas as ofertas que pessoas conhecidas e desconhecidas fizeram para comprá-lo, apesar das críticas e zombarias de alguns. Ficávamos bem contentes com esta demonstração de apreço. Até que um dia a gente vendeu o “canarinho”.
Bem, muito tempo se passou e não faço ideia por onde ele anda agora, mas sei que sua imagem rodou bastante em meus pensamentos nestes últimos meses, especialmente quando eu mesmo me senti como um Fusquinha amarelo com mais de quarenta anos de uso, cansado e muito limitado em matéria de conforto, potência e beleza. Minha lataria já não brilha como antes, aliás, parece que já está enferrujando. Meu motor não rende como rendia no início. E se eu aumentar a velocidade ou o peso, minha estrutura range e estala. Assim, a sensação é de que estou  desvalorizando a cada dia, especialmente diante de algumas situações recentes nas quais também  fui motivo de piadinhas e risos, como acontecia com o "canarinho". Porém, mesmo com tais características desfavoráveis, ainda tenho sido útil para, com a graça de Deus, abrigar pessoas nas tempestades e transportar vidas de situações adversas para realidades melhores. Mesmo devagar e sem conforto, coopero para que corações e famílias cheguem ao seu destino, favorecendo a viajem de muita gente, semelhante ao que meu Fusca fazia. Além disso, percebo que, para minha surpresa, ainda há pessoas que se aproximam de mim, colocam a mão em meu ombro e proporcionam uma relação de apreço muito especial, usando de muita paciência para comigo quando não atendo às suas expectativas e necessidades.  Elas sabem que eu não posso lhes oferecer muita coisa como antes, mas é como se tocassem a minha lataria e dissessem a meu respeito: “Carrinho ajeitado, hein?!”. Eu fico contente. Puxa! Que legal! Tô na estrada! Tô rodando! Bi-bi!!!!
Coisas assim podem acontecer com qualquer um de nós. Então, mesmo que você se sinta como um carro limitado e desvalorizado, procure se manter em ordem e, na medida do possível, em bom estado. Ainda tem muito chão pra você rodar e muita gente pra ir com você. Lembre-se que o mais importante não é ser super potente, belíssimo e confortável, mas sim andar na estrada certa e chegar ao seu destino em paz e segurança. Isso pode fazer com que um carro velho, limitado e cansado se torne um carrinho ajeitado e turbinado com o apreço e o carinho de muita gente.

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