sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A Melhor Matéria Prima do Planeta

Uma das disciplinas escolares que eu mais curtia quando cursava o ensino fundamental era geografia. Naturalmente, é uma das matérias que eu mais gosto de estudar com meu filho de oito anos de idade. Sempre é bom estudar com ele, mas ontem foi ótimo.

Estávamos pesquisando sobre recursos naturais, agricultura, extrativismo etc. Discutimos de maneira mais detalhada sobre o tema matéria-prima, procurando identificar elementos da natureza que são usados na fabricação ou industrialização de outros produtos. Falamos sobre o algodão, que é transformado em tecido, e comentamos sobre as árvores, que dão origem aos móveis que mobíliam o quarto onde estudávamos. Foi precisamente nessa hora que tivemos uma espécie de insight. Notamos que tudo o que estava no quarto era industrializado. Não havia nenhuma matéria-prima bruta ali. E olha que a gente se esforçou pra encontrar, mas víamos apenas edredons, travesseiros, armários, roupas, eletrônicos, cadernos e assim por diante. Ao descobrir que estávamos cercados pela industrialização, meu filho ficou empolgado e se divertiu muito, mas confesso que eu comecei a ficar meio triste e decepcionado por não encontrar ao nosso redor um elemento sequer autenticamente natural.

Embora eu quisesse disfarçar minha decepção para não estragar a empolgação do menino, não teve jeito, ele percebeu. Então, na tentativa de me agradar, meu filho começou a procurar em cada parte do cômodo algo que revelasse a natureza em sua forma original. E quando parecia que sua dedicação seria em vão, ele olhou bem nos meus olhos e gritou: “Encontrei! Encontrei duas coisas bem naturais aqui no quarto... Encontrei duas matérias-primas originais!” No início, pensei que fosse brincadeira dele, visto que seu senso de humor é bastante intenso. Mas fui surpreendido quando ele apontou para o espelho e me disse: “Lá estão os elementos não industrializados desse quarto: Nós dois, pai!”.

Foi emocionante, legal e animador ver nossos rostos revelados no espelho, pois quando eu começava a me sentir uma ilha cercado de produtos manufaturados por todos os lados, meu filho me fez lembrar que, na verdade, toda aquela industrialização girava ao nosso redor porque a centralidade da existência é nossa e sempre será! Mais do que isso, fiquei convicto de que a melhor matéria prima que existe no planeta somos nós mesmos, pois é a partir de nós e através de nós que as transformações acontecem. Nós existimos e vivemos sem edredons, armários e eletrônicos, por exemplo. Mas eles não existem nem vivem sem nós. No fundo, somos matéria-prima conduzindo e transformando outras matérias-primas; isto é um grande privilégio. Mas é urgente lembrar que não podemos conduzir e transformar as coisas de qualquer jeito, pois nossa responsabilidade também é grande. No final das contas, nossa responsabilidade dever ser do tamanho do nosso privilégio.


Essas foram as principais lições que meu filho e eu aprendemos ao estudar para sua prova de Geografia. São questões vitais que precisamos saber de cor, isto é, de coração. Espero que não mais precisemos de um espelho para lembrar que nós não nos criamos a nós mesmos, mas fomos criados na natureza com o poder de transformá-la de modo útil e saudável para todos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Primeiro Pedaço do Bolo

As crianças puseram o chapeuzinho na cabeça, tiraram fotos, cantaram o “parabéns pra você”, e o Bruninho se preparou para cortar o bolo. Como já é um costume antigo, todos ficaram na expectativa sobre quem seria contemplado com o primeiro pedaço, especialmente a avó, a mãe e uma super tia do aniversariante, que eram as candidatas mais fortes por serem as pessoas mais presentes e importantes na vida do pequeno Bruno. Por isso mesmo ele cortou o bolo solenemente, colocou o primeiro pedaço no pratinho com certa cerimônia, olhou com carinho para as mulheres da sua vida, mas, meio trêmulo, e com um sorriso novo no rosto, voltou-se para o outro lado e entregou o primeiro pedaço do bolo para o João, o Joãozinho, um garoto que mora ali no bairro e que conhecera o Bruninho há apenas dois meses. Subitamente, o clima de frustração e reprovação tomou conta dos parentes, afinal, uma tradição importante fora quebrada: o primeiro pedaço do bolo de aniversário do Bruno foi para alguém que não pertence à família. Isso nunca aconteceu antes! É a primeira vez em 9 anos. E agora? Quais serão os desdobramentos desse incidente? O que pode acontecer quando se quebra uma espécie de tradição numa família, numa empresa ou na maneira de fazer e ver as coisas?

Aproveito esta história real apenas para dizer que aquilo que geralmente consideramos “quebra de tradição” nem sempre o é. O Bruninho não quebrou tradição alguma naquela noite, ele apenas atualizou a maneira de cumpri-la. O costume antigo de entregar o primeiro pedaço de bolo a uma pessoa como forma de homenageá-la foi preservado. A única coisa que provavelmente tenha sido ferida ou arranhada na ocasião foi o ego de pessoas que gostariam de manter o status de sempre ganharem o primeiro pedaço do bolo e, assim, manterem sua primazia, seu destaque, seu reconhecimento público etc. No mesmo sentido, o que talvez tenha sido quebrado ou maculado naquela festa foi o monopólio que alguns familiares tinham sobre os relacionamentos e os sentimentos do Bruninho até o momento. Então importa reconhecer que o pequeno aniversariante não quis roubar ou diminuir a importância de ninguém. Ele só queria expressar sua gratidão e apoio ao João, o único amigo do bairro que aceitou o convite para ir a sua festa, mesmo tendo sido convidado apenas duas horas antes. O Bruno se sentiu honrado com a presença do novo amigo e decidiu retribuir honra com honra. Faz sentido! Pois mesmo sem ser da família, e jamais imaginando ganhar o primeiro pedaço do bolo, o Joãozinho tava lá.

Em poucas palavras, o Bruno não quebrou nem desprezou a tradição, pelo contrário, ele a cumpriu, inovou e ampliou. O Bruninho não quebrou relacionamentos, ele acrescentou e fortaleceu laços, incluindo agora a comunidade onde mora, representada pelo Joãozinho. Houve amadurecimento, novas perspectivas, novos horizontes, novo sorriso no rosto, novas pessoas presentes e importantes em sua vida etc. Mas nem todo mundo gosta disso!

Infelizmente, é assim que costuma nascer o ciúme, a inveja e a frustração quando alguém atualiza uma tradição inovando costumes numa família, numa empresa ou em outro contexto. Isso pode estar acontecendo com você nestes dias: Ou pessoas estão te censurando e retaliando porque você “deu o primeiro pedaço do bolo” de maneira inovadora. Ou você pode estar muito incomodado e até enciumado porque o primeiro pedaço do bolo, a honra e o reconhecimento público não pertencem mais somente a você e a sua patota. Pense nisso! E lembre que muita gente merece o primeiro pedaço do bolo e que, de qualquer forma, tem bolo pra todo mundo. (Desconsidere os casos em que o primeiro pedaço de bolo é dado a alguém por mera puxação de saco, demagogia, vingança, politicagem, hipocrisia etc).







segunda-feira, 2 de setembro de 2013

"Aquele Carro ali é Seu?"

Imagino que muitos dos leitores já foram abordados num restaurante, loja ou outro estabelecimento por alguma pessoa desconhecida que lhes fez a surpreendente pergunta: “Ei, aquele carro ali é seu?!”.  Nestas horas costumamos sentir um friozinho na barriga e pensar que algo muito ruim pode ter acontecido com nosso veículo ou que estamos prestes a nos desentender com a pessoa que nos inquiriu. Então suspeitamos: Será que alguém bateu no meu carro? Será que eu fechei a garagem desse cara? Por que esse sujeito intrometido quer informações sobre meu carro? Dificilmente consideramos que algum estranho perguntaria pelo nosso automóvel ou se interessaria por qualquer outra questão da nossa vida com boas motivações ou com boas notícias para nos dar, ainda mais se tal sujeito tiver aquela aparência e tom de voz que consideramos sinal de encrenca. Mas, dias atrás, tive uma experiência interessante que abriu minha visão sobre situações desse tipo.

Era tarde da noite e eu estava em casa prestes a me deitar. Como eu não esperava nenhuma visita, fiquei surpreso e um pouco apreensivo quando o interfone tocou tão fora de hora. Fui direto à janela da sala para ver quem era. Ao olhar para o portão não tive a menor esperança de que se tratasse de algo útil ou agradável para mim, pelo contrário, parecia que se tratava de um estranho que viera pedir alguma coisa. Abri a janela meio azedo e vi um sujeito com cara de encrenca. Pra piorar a impressão, o cara me fez a célebre e desconfortável pergunta: “Aquele carro ali é seu?”, apontando para o meu veículo estacionado do outro lado da rua. Senti o friozinho na barriga que eu mencionei há pouco. Permaneci em silêncio alguns instantes. Pensamentos ruins foram se avolumando em minha mente até que eu me enchi de coragem e respondi: “Aquele carro ali é meu, sim! Por quê?”. Aí o sujeito com cara de encrenca, que em poucos segundos passou a ter cara de anjo, me disse gentilmente: “É que eu estava passando por aqui e vi o carro com os faróis acesos, então eu decidi procurar pelo dono a fim de informá-lo e livrá-lo de uma grande dor de cabeça caso a bateria do veículo acabe”. Então eu engoli a seco, fiquei completamente sem graça e agradeci umas dez vezes ao sujeito que me livrara de uma encrenca de verdade. Assim, meu carro não posou na rua nem ficou sem bateria ao amanhecer.


Entendi que ainda existem pessoas que perguntam pelo nosso carro ou se interessam pela nossa vida com boas motivações e contribuições importantes a dar. Compreendi a importância de abrir a janela da nossa mente quando alguém toca o interfone da nossa alma mesmo que tal pessoa não seja do nosso convívio e que pareça não ter nada de útil e agradável a nos oferecer. Aprendi que nunca é tarde ou tão fora de hora para saber se aquela determinada pessoa que parece se intrometer em nossa rotina é uma encrenca ou um anjo que pode nos ajudar na caminhada e nos livrar de grandes dores de cabeça na profissão, na carreira, nos negócios, enfim, nas mais variadas situações, incluindo os casos em que esquecemos nosso carro na rua com os faróis acesos.