quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Bagunça de Luxo


Num passado não muito distante, quase todas as casas tinham um cômodo relativamente acanhado que recebia o nome de despensa, onde as famílias armazenavam alguns mantimentos da compra do mês, como sacos de arroz, latarias, pacotes de macarrão etc. Aos poucos, a despensa começou a ser usada para guardar ou esconder outras coisas, transformando-se numa espécie de depósito de ferramentas, objetos quebrados ou fora de uso, tralha de pescaria, skate, bicicleta, restos de fio elétrico, pedaços de mangueira, arame, enfim, coisas que não serviam mais ou que não ficavam bem em outro cômodo, mas que por algum motivo dava dó de jogar fora. Em função disso, a despensa também passou a ser chamada de quartinho da bagunça. Esta realidade se tornou comum e faz parte do dia a dia das famílias há muitos anos. Mas o que chama minha atenção é a quantidade de produtos sofisticados e caros que vêm tomando conta das despensas nos dias de hoje. São itens que, no passado, jamais estariam misturados com coisas velhas, empoeiradas, esquecidas e até enferrujadas num quartinho qualquer. Refiro-me a objetos que costumavam ocupar partes nobres da casa, com status de coisa importante e moderna, como é o caso dos eletrodomésticos, muitos deles considerados de luxo por causa de sua complexidade, tecnologia, função e preço. São eles os que mais me surpreendem numa despensa, fazendo que o local mais se pareça um museu de novidades. Para não delongar muito, quero destacar apenas os dois eletrodomésticos que lideram o ranking de objetos de luxo encontrados nos quartinhos da bagunça.
O primeiro lugar do ranking é ocupado pelo multiprocessador de alimentos, moderníssimo. Não há dúvida de que se trata de uma ótima invenção, e que sua finalidade é nobre: proporcionar uma alimentação mais saudável de maneira prática e rápida, excelente para enfrentarmos a correria do dia a dia sem perder a qualidade nutricional. É só colocar os alimentos dos mais variados tipos no aparelho, apertar o botão e pronto. Genial. Legumes e frutas viram suco ou fragmentos num piscar de olhos. Não precisamos ficar descascando, cortando ou ralando esses produtos com a mão. Que comodidade! “Valeu a pena ter comprado!”, é o que todos afirmam. Mas só nas primeiras semanas.  Passam-se alguns poucos meses e a lua de mel com o multiprocessador acaba, especialmente por causa do longo tempo que se gasta para montar suas várias peças antes de usar e para trocar suas lâminas dependendo do alimento que se está preparando. Tão desgastante e demorado quanto isso é ter que lavar e secar direitinho todas as peças e compartimentos do equipamento após o uso. É muito chato! O golpe fatal contra o multiprocessador acontece quando a gente percebe que ele é meio grande, um pouco desajeitado e ocupa muito espaço na cozinha, atrapalhando a acomodação do micro-ondas, do filtro de água, da cafeteira, da escorredeira de pratos, da lixeirinha e dos vasinhos. Nesta fase, decidimos usá-lo somente no final de semana, por isso ele já não precisa permanecer exposto na cozinha todos os dias, e como não cabe nos pequenos paneleiros dos móveis planejados, é mais conveniente colocá-lo na despensa mesmo, pelo menos provisoriamente, ao lado da máquina de lavar louça que já está lá há uns quatro anos. Genial! Resolvido!
O segundo aparelho de luxo presente em toda despensa moderna que se preza é a lavadora de alta pressão, aquela que nos comerciais de televisão parecem ser super práticas e eficazes para lavar carros e especialmente calçadas e quintais grandes. Não há dúvida de que o quintal realmente fica mais limpo quando usamos aqueles jatos d´água calibrados automaticamente em vez de ficarmos apertando a ponta das mangueiras tradicionais com nossos dedos, quando a água não sai direito e os dedos chegam a ficar marcados e doloridos. Mas além do bom resultado que estas lavadoras produzem, existe ainda outro fator que enobrece o uso destas máquinas: é a sensação de poder e superioridade em relação aos vizinhos que ainda usam mangueiras comuns ou baldes para lavar o quintal de suas casas. Mesmo que a gente não queira reparar, é inevitável notar o mal estar que eles sentem ao verem a força, a eficácia, a elegância e a modernidade com as quais nossa lavadora de alta pressão elimina a poeira, as folhas no chão e os pelos de cachorro amontoados nos cantos.  Tudo isso é muito bom, pena que dura pouco. O prazer de usar tais máquinas vai perdendo terreno para a chatice que é montar o equipamento. O tempo que a gente perde acoplando cabos, fios, roscas, extensões e tomando outras providências quase supera o tempo que gastamos lavando a área em questão. Isto fica ainda pior quando um dos encaixes escapa bem no meio da lavagem e o aparelho para de funcionar. Tão irritante quanto isso são seus cabos enroscando no pneu do carro ou num vaso de planta que não pode cair no chão de jeito nenhum. E mesmo que você supere todas essas inconveniências, ainda é necessário desmontar e proteger a máquina com todo cuidado após o uso a fim de garantir sua conservação e o bom funcionamento no futuro. Isso enche o saco! Sem contar que até você fazer todos os procedimentos necessários seu vizinho já lavou tudo o que tinha que lavar, já enrolou a mangueira no suporte pendurado na parede e está sentado na cadeira de área observando seu trabalho duro. É pra acabar, não é?! Então, considerando que nossa vida é meio corrida mesmo, e que fica bem economizarmos água para o bem do planeta, decidimos usar a lavadora de alta pressão apenas uma ou duas vezes por mês, o que justifica muito bem escondê-la no quartinho da bagunça, preferencialmente encima da esteira elétrica, que antes ficava no quarto do casal servindo de cabideiro para aquelas roupas que a gente usa só um pouco e reserva pra usar no dia seguinte. É nesta fase que a gente volta a usar aquela mangueirinha velha verde ou alaranjada só pra tirar o pó da varanda.
Diante desse breve relato sobre a história da despensa, temos duas alternativas. Ou nos alegramos porque as dispensas de hoje são cheias de novidades e muito mais elegantes, sofisticadas e valiosas que as despensas de antigamente. Ou devemos rever urgentemente nossos conceitos e valores pelo fato de termos tanto luxo e vaidade acumulados junto a coisas empoeiradas e enferrujadas numa espécie de museu doméstico. Recomendo que escolhamos a segunda alternativa.

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