sexta-feira, 23 de maio de 2014

As Viúvas da Justiça

No texto bíblico de Lucas 18.1-8, o evangelista apresenta a “parábola do juiz iníquo” com o principal propósito de revelar a importância de recorrermos à intervenção divina face às aflições que enfrentamos neste mundo.
É imprescindível notar que, ao tratar das aflições que nos oprimem, o autor utiliza a imagem de um magistrado: “Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava homem algum”. Tal frase indica que os juízes daquela época se consideravam como que superiores ao poder divino e aos poderes constituídos na terra, como se os magistrados fossem intocáveis, inquestionáveis, todo-poderosos etc. Na mesma direção, o evangelista menciona que aquele juiz iníquo não se importava com a causa das pessoas menos favorecidas, desamparadas e que não tinham nada para lhe oferecer em troca: “Havia na mesma cidade uma viúva que insistia para que o magistrado julgasse a sua causa, mas ele não a atendia...”. Ora, se o Judiciário não levava em conta nem a pessoa de Deus nem os demais poderes à sua volta, muito menos se importaria com aquela pessoinha insignificante que, por ser mulher, viúva e pobre, representava um dos segmentos mais fracos e menos favorecidos daquele contexto.
Uma pergunta apenas: Seria obra do acaso o fato de a Bíblia associar a aflição e o desamparo do povo à atuação dos magistrados? É óbvio que não! A exegese de Lucas 18.1-6, somada ao que temos visto no Brasil, nos permite concluir que o Poder Judiciário dos dias de hoje, nas mesmas palavras de Lucas, também parece não temer a Deus nem respeitar a população como deveria, especialmente quando se trata de valorizar e atender a causa das viúvas, isto é, dos inocentes menos favorecidos. Desta forma, tem-se a impressão que os juízes, em sua maioria, continuam agindo como intocáveis, inquestionáveis, irrepreensíveis, infalíveis etc, dando ocasião a revoltas, desordens, medo e, obviamente, falta de justiça – e onde não há justiça não há paz. Por essas e outras o nosso país está como está. Somos viúvas da Justiça.
Faz-se necessário dizer que, no final da parábola, o juiz iníquo teme ser agredido ou assassinado pela viúva, fato que finalmente o leva a julgar sua causa e lhe fazer justiça: “Julgarei a sua causa para que ela não me moleste”. Que fique bem claro: O juiz cumpriu com seu dever apenas porque teve medo da viúva! Penso que se os magistrados de hoje não conseguem ter o devido respeito pelo povo, pelo menos medo eles precisariam ter. Talvez seja esta nossa única esperança quanto à justiça terrena em nosso país: que tenham medo de nós! Fato é que tais aspectos da narrativa bíblica também apontam pra fragilidade e transitoriedade do Poder Judiciário que, embora se apresente como um “deus todo-poderoso”, é tão vulnerável quanto qualquer outra instituição ou ser humano, a ponto de uma mulher viúva e solitária se tornar mais temível do que o próprio juiz implacável e refratário. Desta forma, surpreendentemente, e quase que de modo ambíguo, a mulher viúva deixa de ser apenas uma pessoinha desprezada e excluída pelo Judiciário e se torna um instrumento forte e eficaz de fiscalização, libertação e transformação da situação vigente. O juiz iníquo todo-poderoso acaba se curvando aos protestos de alguém que até então não lhe significava nada. O povo realmente tem poder para escrever uma nova história.
Por fim, o texto de Lucas nos inspira a lutar pelos nossos direitos face à crise do Poder Judiciário. Apesar da indiferença e da lentidão da Justiça, a mulher viúva não desistiu da sua causa, o que muito favoreceu a solução do seu problema: “O juiz pensou consigo mesmo: não temo a Deus nem respeito ninguém, mas como essa mulher insiste em me incomodar, julgarei a sua causa”. Então, se você tem sede de justiça, não desista, persevere, persista, incomode, proteste. Além disso, a lição mais importante: se até os magistrados iníquos, corruptos e eticamente comprometidos têm condições de fazer justiça, ainda que seja por medo ou outro interesse, muito mais condições tem o nosso Deus de nos socorrer e amparar quando a ele recorremos em meio às aflições deste mundo, pois que ele que é justo, bom e santo. Em relação aos inocentes, frágeis e oprimidos, Deus é “pai dos órfãos e juiz das viúvas” (Salmo 68.5). Ele nos assiste gratuitamente e é movido por amor, não por interesses particulares e por medo, como acontece com a magistratura desde a época de Jesus. Aliás, desde muito antes disso, conforme narram os profetas setecentos anos antes de Cristo aproximadamente: “As autoridades dão sentenças por dinheiro... e ainda dizem: não precisamos ter medo de nada” (Miquéias 3.11); “O juízo está longe de nós e a justiça não nos alcança; esperamos pela luz, mas eis que só há trevas; esperamos pelo resplendor, mas andamos na escuridão... o direito se retirou e a justiça foi pra bem longe; porque a verdade anda tropeçando pelas praças e aquilo que é justo não pode entrar na cidade” (Isaías 59.9-14);

            Em tempo, considerando o tom irônico e bem humorado presente neste e em inúmeros outros textos bíblicos, o evangelista aproveita para denunciar o perfil patológico e patético do Poder Judiciário. Ao mencionar o mal que a mulher-representante-do-povo poderia lhe causar, o juiz se coloca como vítima da realidade, aquele que não tem culpa de nada e que agora está sendo ameaçado, como se o povo fosse o principal responsável pelo clima de violência, injustiça e falta de paz; como se as mulheres viúvas frágeis e desamparadas é que representassem o perigo para a sociedade. Ora, os males daquela cidade eram os juízes e não as viúvas. Os magistrados, sim, pela sua omissão, presunção e dissimulação, configuravam as pessoas mais perigosas e prejudiciais àquela sociedade. Será que mudou muita coisa de lá pra cá?
               Embora haja divergências sobre o tema, é muito bom saber que ainda há magistrados comprometidos com a ética, a verdade, a justiça e a paz, e que, sejam crentes ou ateus, não se consideram superiores a Deus nem aos poderes instituídos na terra nem aos órfãos e viúvas do nosso tempo, ainda que eles sejam como cabeça de bacalhau, existe mas a gente nunca vê, especialmente quando somos viúvas pobres e preteridas.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

E se a Copa do Mundo não fosse no Brasil?

     Quanta coisa a dizer sobre a Copa do Mundo no Brasil! Questões que vão desde a importância e a magia do esporte propriamente dito até a irresponsabilidade e amadorismo dos governantes, passando pelas boas oportunidades que o país terá por causa do evento e também pelas malignas chances de desvio de dinheiro etc. Mas como já tem muita gente falando disso, vou refletir sobre outros aspectos.
            Ao ver um grande número de pessoas e entidades protestando e postando na net contra a realização desta Copa do Mundo em detrimento da construção de hospitais e investimentos na educação, por exemplo, fico pensando como seria útil e eficaz se tais mobilizações em favor da melhoria do sistema de saúde e educacional fossem feitas independentemente da Copa ser aqui ou não. Tivemos décadas e décadas para reivindicar de forma intensiva e midiática, mas não o fizemos, e tudo indica que não o teríamos feito se não fosse o campeonato mundial de futebol deste ano.
          Segundo, existem forças e interesses políticos demais sobre a mesa, e principalmente em baixo dela. Governo e oposição subestimam e hiperestimam valores e atitudes de acordo com suas conveniências e projetos que, em quase sua totalidade, não têm nenhuma relação com a justiça social, o desenvolvimento do país e a dignidade da população. E eu não tô afim de apostar nesse jogo de cartas marcadas.
       Por último, assim como tivemos muitas décadas para protestar e reivindicar, os governos e demais autoridades tiveram décadas e décadas para realizar os investimentos que o país e seu povo mais necessitam – e até agora isto não aconteceu. Pessimista ou não, tenho certeza que se a Copa do Mundo de Futebol não fosse realizada no Brasil o nosso sistema de saúde continuaria na UTI, a educação permaneceria nas trevas e o transporte público patinaria e atolaria do mesmo jeito de sempre e por tempo indeterminado.
          Concluindo, a não realização do evento em questão de modo algum seria garantia ou pré-requisito para a mudança do “nosso belo quadro social”. Se a Copa não fosse aqui, penso que continuaríamos sem hospitais, sem escolas e sem metrôs, assistindo aos jogos pela televisão, comendo pipoca e saindo pra comemorar as vitórias da seleção canarinho no meio do trânsito caótico e atrapalhando o funcionamento das escolas e dos hospitais que hoje temos. Uma série de internautas continuaria nas redes sociais falando sobre a Copa no Brasil, mas apenas para postarem “gooooooool”. Se a Copa não fosse no Brasil, a sociedade certamente ocuparia ruas e praças como está fazendo agora, porém não para protestar e reivindicar, mas sim pra ver o Neymar no telão e cantar uma música nova: “Noventa milhões sem ação, pra frente seleção, salve o Brasil”.


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Tres Razões para o Show das Poderosas

É a segunda vez que meu gosto musical surpreende meus amigos. Como eu tive enorme influência da MPB desde a pré-adolescência, quando eu já admirava e praticava Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Beto Guedes, 14 Bis e companhia, a galera ficou meio confusa quando eu curti a canção “Sonho de Ícaro”, com o Byafra, na década de 80. Isto sem contar alguns hits do Peninha, Fábio Jr, Chitãozinho e Chororó, Claudinho e Bochecha etc. Meus amigos diziam: "Isso é muito brega!". Pois bem, agora é a hora do Show das Poderosas, com a Annita. Curto muito esse som! Tal situação me motivou a apresentar três razões pra essa minha recaída. Prepara!

A primeira razão para curtir o Show das Poderosas tem a ver com o balanço mesmo. É um som descolado, swingado, irmão do funk e da ginga, primo do batuque-samba-funk, que mexe com nossas raízes, nossa história e nosso esqueleto. É a nossa mão batendo na mesa e o nosso pezinho no chão marcando o ritmo, ainda que discretamente, muitas vezes sem perceber, e até mesmo sem gostar do gênero musical em questão. Além disso, esse balanço tem mais métrica e poesia do que muitas músicas badaladíssimas que tocam exaustivamente por aí.

A segunda razão é de caráter sociológico. Gostaria de discorrer muitas coisas sobre isso, mas me restrinjo a dizer que é um som do povo, ou um show do povo. Sua alma popular se manifesta não só como expressão cultural, mas também como protesto diante de diversos preconceitos, repressões e monopólios. Isto se revela nas frases do tipo “Prepara! Agora é a hora!” e “Meu exército é pesado!”. São como gritos de guerra, só que sem violência. É como se fosse um movimento capaz de resistir e até combater “as invejosas” que, é óbvio, simbolizam os preconceitos, repressões e monopólios já citados. E mesmo que seja apenas “dançando”, o movimento é tão impactante que deixará muita gente “babando”.

O último motivo é uma mistura de questão política com questão pessoal. Prefiro o Show das Poderosas da Annita ao show dos poderosos. Cansei de sofrer as performances dos poderes terrenos que atuam no Brasil e no mundo, tanto no contexto político, econômico, militar e religioso quanto no contexto tecnológico, midiático e até mesmo cultural. São tiranias, oligarquias, cleros e absolutismos antigos e modernos que sempre tentaram manipular e monopolizar nossa opinião, nossa vida e nosso destino. São segmentos que se intitulam e agem como se fossem especialistas em tudo e autoridades em matéria de ideologia, saber, cultura e sucesso. É melhor dançar ao som do Show das Poderosas do que dançar conforme a música de certos poderes que fazem o povo “descer e rebolar” há muito tempo. Nesse sentido, vale destacar que a proposta da Annita talvez não traga solução sobre os preconceitos e tiranias do nosso mundo, mas pelo menos proporciona alívio e diversão no meio das pressões a que somos submetidos (já posso imaginar “as invejosas” de plantão censurando a expressão alívio e diversão).


Por fim, desejo boa sorte e juízo ao exército das poderosas. Que elas não sucumbam, não se vendam e não se rendam ao esquema manipulador e monopolizador que ronda ao derredor procurando a quem devorar, como aconteceu com alguns dos heróis da minha pré-adolescência, que ou se associaram ao show dos poderosos ou morreram de overdose.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A Melhor Matéria Prima do Planeta

Uma das disciplinas escolares que eu mais curtia quando cursava o ensino fundamental era geografia. Naturalmente, é uma das matérias que eu mais gosto de estudar com meu filho de oito anos de idade. Sempre é bom estudar com ele, mas ontem foi ótimo.

Estávamos pesquisando sobre recursos naturais, agricultura, extrativismo etc. Discutimos de maneira mais detalhada sobre o tema matéria-prima, procurando identificar elementos da natureza que são usados na fabricação ou industrialização de outros produtos. Falamos sobre o algodão, que é transformado em tecido, e comentamos sobre as árvores, que dão origem aos móveis que mobíliam o quarto onde estudávamos. Foi precisamente nessa hora que tivemos uma espécie de insight. Notamos que tudo o que estava no quarto era industrializado. Não havia nenhuma matéria-prima bruta ali. E olha que a gente se esforçou pra encontrar, mas víamos apenas edredons, travesseiros, armários, roupas, eletrônicos, cadernos e assim por diante. Ao descobrir que estávamos cercados pela industrialização, meu filho ficou empolgado e se divertiu muito, mas confesso que eu comecei a ficar meio triste e decepcionado por não encontrar ao nosso redor um elemento sequer autenticamente natural.

Embora eu quisesse disfarçar minha decepção para não estragar a empolgação do menino, não teve jeito, ele percebeu. Então, na tentativa de me agradar, meu filho começou a procurar em cada parte do cômodo algo que revelasse a natureza em sua forma original. E quando parecia que sua dedicação seria em vão, ele olhou bem nos meus olhos e gritou: “Encontrei! Encontrei duas coisas bem naturais aqui no quarto... Encontrei duas matérias-primas originais!” No início, pensei que fosse brincadeira dele, visto que seu senso de humor é bastante intenso. Mas fui surpreendido quando ele apontou para o espelho e me disse: “Lá estão os elementos não industrializados desse quarto: Nós dois, pai!”.

Foi emocionante, legal e animador ver nossos rostos revelados no espelho, pois quando eu começava a me sentir uma ilha cercado de produtos manufaturados por todos os lados, meu filho me fez lembrar que, na verdade, toda aquela industrialização girava ao nosso redor porque a centralidade da existência é nossa e sempre será! Mais do que isso, fiquei convicto de que a melhor matéria prima que existe no planeta somos nós mesmos, pois é a partir de nós e através de nós que as transformações acontecem. Nós existimos e vivemos sem edredons, armários e eletrônicos, por exemplo. Mas eles não existem nem vivem sem nós. No fundo, somos matéria-prima conduzindo e transformando outras matérias-primas; isto é um grande privilégio. Mas é urgente lembrar que não podemos conduzir e transformar as coisas de qualquer jeito, pois nossa responsabilidade também é grande. No final das contas, nossa responsabilidade dever ser do tamanho do nosso privilégio.


Essas foram as principais lições que meu filho e eu aprendemos ao estudar para sua prova de Geografia. São questões vitais que precisamos saber de cor, isto é, de coração. Espero que não mais precisemos de um espelho para lembrar que nós não nos criamos a nós mesmos, mas fomos criados na natureza com o poder de transformá-la de modo útil e saudável para todos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Primeiro Pedaço do Bolo

As crianças puseram o chapeuzinho na cabeça, tiraram fotos, cantaram o “parabéns pra você”, e o Bruninho se preparou para cortar o bolo. Como já é um costume antigo, todos ficaram na expectativa sobre quem seria contemplado com o primeiro pedaço, especialmente a avó, a mãe e uma super tia do aniversariante, que eram as candidatas mais fortes por serem as pessoas mais presentes e importantes na vida do pequeno Bruno. Por isso mesmo ele cortou o bolo solenemente, colocou o primeiro pedaço no pratinho com certa cerimônia, olhou com carinho para as mulheres da sua vida, mas, meio trêmulo, e com um sorriso novo no rosto, voltou-se para o outro lado e entregou o primeiro pedaço do bolo para o João, o Joãozinho, um garoto que mora ali no bairro e que conhecera o Bruninho há apenas dois meses. Subitamente, o clima de frustração e reprovação tomou conta dos parentes, afinal, uma tradição importante fora quebrada: o primeiro pedaço do bolo de aniversário do Bruno foi para alguém que não pertence à família. Isso nunca aconteceu antes! É a primeira vez em 9 anos. E agora? Quais serão os desdobramentos desse incidente? O que pode acontecer quando se quebra uma espécie de tradição numa família, numa empresa ou na maneira de fazer e ver as coisas?

Aproveito esta história real apenas para dizer que aquilo que geralmente consideramos “quebra de tradição” nem sempre o é. O Bruninho não quebrou tradição alguma naquela noite, ele apenas atualizou a maneira de cumpri-la. O costume antigo de entregar o primeiro pedaço de bolo a uma pessoa como forma de homenageá-la foi preservado. A única coisa que provavelmente tenha sido ferida ou arranhada na ocasião foi o ego de pessoas que gostariam de manter o status de sempre ganharem o primeiro pedaço do bolo e, assim, manterem sua primazia, seu destaque, seu reconhecimento público etc. No mesmo sentido, o que talvez tenha sido quebrado ou maculado naquela festa foi o monopólio que alguns familiares tinham sobre os relacionamentos e os sentimentos do Bruninho até o momento. Então importa reconhecer que o pequeno aniversariante não quis roubar ou diminuir a importância de ninguém. Ele só queria expressar sua gratidão e apoio ao João, o único amigo do bairro que aceitou o convite para ir a sua festa, mesmo tendo sido convidado apenas duas horas antes. O Bruno se sentiu honrado com a presença do novo amigo e decidiu retribuir honra com honra. Faz sentido! Pois mesmo sem ser da família, e jamais imaginando ganhar o primeiro pedaço do bolo, o Joãozinho tava lá.

Em poucas palavras, o Bruno não quebrou nem desprezou a tradição, pelo contrário, ele a cumpriu, inovou e ampliou. O Bruninho não quebrou relacionamentos, ele acrescentou e fortaleceu laços, incluindo agora a comunidade onde mora, representada pelo Joãozinho. Houve amadurecimento, novas perspectivas, novos horizontes, novo sorriso no rosto, novas pessoas presentes e importantes em sua vida etc. Mas nem todo mundo gosta disso!

Infelizmente, é assim que costuma nascer o ciúme, a inveja e a frustração quando alguém atualiza uma tradição inovando costumes numa família, numa empresa ou em outro contexto. Isso pode estar acontecendo com você nestes dias: Ou pessoas estão te censurando e retaliando porque você “deu o primeiro pedaço do bolo” de maneira inovadora. Ou você pode estar muito incomodado e até enciumado porque o primeiro pedaço do bolo, a honra e o reconhecimento público não pertencem mais somente a você e a sua patota. Pense nisso! E lembre que muita gente merece o primeiro pedaço do bolo e que, de qualquer forma, tem bolo pra todo mundo. (Desconsidere os casos em que o primeiro pedaço de bolo é dado a alguém por mera puxação de saco, demagogia, vingança, politicagem, hipocrisia etc).







segunda-feira, 2 de setembro de 2013

"Aquele Carro ali é Seu?"

Imagino que muitos dos leitores já foram abordados num restaurante, loja ou outro estabelecimento por alguma pessoa desconhecida que lhes fez a surpreendente pergunta: “Ei, aquele carro ali é seu?!”.  Nestas horas costumamos sentir um friozinho na barriga e pensar que algo muito ruim pode ter acontecido com nosso veículo ou que estamos prestes a nos desentender com a pessoa que nos inquiriu. Então suspeitamos: Será que alguém bateu no meu carro? Será que eu fechei a garagem desse cara? Por que esse sujeito intrometido quer informações sobre meu carro? Dificilmente consideramos que algum estranho perguntaria pelo nosso automóvel ou se interessaria por qualquer outra questão da nossa vida com boas motivações ou com boas notícias para nos dar, ainda mais se tal sujeito tiver aquela aparência e tom de voz que consideramos sinal de encrenca. Mas, dias atrás, tive uma experiência interessante que abriu minha visão sobre situações desse tipo.

Era tarde da noite e eu estava em casa prestes a me deitar. Como eu não esperava nenhuma visita, fiquei surpreso e um pouco apreensivo quando o interfone tocou tão fora de hora. Fui direto à janela da sala para ver quem era. Ao olhar para o portão não tive a menor esperança de que se tratasse de algo útil ou agradável para mim, pelo contrário, parecia que se tratava de um estranho que viera pedir alguma coisa. Abri a janela meio azedo e vi um sujeito com cara de encrenca. Pra piorar a impressão, o cara me fez a célebre e desconfortável pergunta: “Aquele carro ali é seu?”, apontando para o meu veículo estacionado do outro lado da rua. Senti o friozinho na barriga que eu mencionei há pouco. Permaneci em silêncio alguns instantes. Pensamentos ruins foram se avolumando em minha mente até que eu me enchi de coragem e respondi: “Aquele carro ali é meu, sim! Por quê?”. Aí o sujeito com cara de encrenca, que em poucos segundos passou a ter cara de anjo, me disse gentilmente: “É que eu estava passando por aqui e vi o carro com os faróis acesos, então eu decidi procurar pelo dono a fim de informá-lo e livrá-lo de uma grande dor de cabeça caso a bateria do veículo acabe”. Então eu engoli a seco, fiquei completamente sem graça e agradeci umas dez vezes ao sujeito que me livrara de uma encrenca de verdade. Assim, meu carro não posou na rua nem ficou sem bateria ao amanhecer.


Entendi que ainda existem pessoas que perguntam pelo nosso carro ou se interessam pela nossa vida com boas motivações e contribuições importantes a dar. Compreendi a importância de abrir a janela da nossa mente quando alguém toca o interfone da nossa alma mesmo que tal pessoa não seja do nosso convívio e que pareça não ter nada de útil e agradável a nos oferecer. Aprendi que nunca é tarde ou tão fora de hora para saber se aquela determinada pessoa que parece se intrometer em nossa rotina é uma encrenca ou um anjo que pode nos ajudar na caminhada e nos livrar de grandes dores de cabeça na profissão, na carreira, nos negócios, enfim, nas mais variadas situações, incluindo os casos em que esquecemos nosso carro na rua com os faróis acesos.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O ABC DA GERAÇÃO Z

Alguns sociólogos definem o grupo de pessoas nascidas a partir da década de 90 como sendo a Geração Z, termo inspirado na primeira letra da onomatopeia zap, que remete a algo feito instantaneamente e em constante mudança. Segundo a enciclopédia livre Wickpédia, zapear é o ato de mudar rápida e repetidamente de canal de televisão, websites ou frequência de rádio, de forma a encontrar algo interessante para ver ou ouvir. Tais atitudes e princípios se tornaram uma das principais marcas da Geração Z, que passa boa parte do tempo zapeando nos notebooks, tablets etc. Esse é o padrão ou o abc da nova geração. Mas, em minha opinião, há outros aspectos que também favorecem o emprego da letra Z para classificar sociologicamente este grupo de pessoas.

O primeiro aspecto é básico e previsível, pois se trata de simples coerência e respeito para com nosso alfabeto. Ora, considerando que a sociologia define como Geração X os que nasceram entre 1960 e 1980, e Geração Y os nascidos entre 1980 e meados da década de 90, nenhuma outra letra poderia representar melhor a sequencia de X e Y do que a letra Z, não é mesmo? É simples mas é verdadeiro.

O segundo aspecto reside no fato da letra Z ser a primeira letra de um dos modismos e conceitos mais usados nestes últimos tempos: zumbis. São filmes, revistas, propagandas, desenhos animados, games, festas, estereótipos e uma série de coisas que, direta ou indiretamente, passam pela letra Z, de zumbi (aquele mesmo Z que antigamente era de zabumba e de Zorro). E a maioria da galera curte muito esses mortos-vivos que, é óbvio, são apenas de mentirinha ou ficção.

Por último, o que mais fortalece a candidatura da letra Z para caracterizar as novas gerações é o uso constante, incondicional e quase compulsivo dos smartiphones e similares. Aí você pode me questionar, dizendo: “Peraí! Smartiphones e similares começam com a letra S e não com Z. É verdade. Mas já notou a infinidade de jovens e adolescentes que andam pela cidade e atravessam as ruas sem tirar os olhos dos smartiphones e similares? Essa é a questão. Eles ficam vidrados na telinha, com os músculos enrijecidos, tesos, hipnotizados, como se tivessem se transformado em zumbis de verdade. Aí, ó! Viu? Olha o Z de Zumbi outra vez! Semana passada eu quase atropelei uns cinco desses de uma só vez numa avenida perto de casa, mas eles nem perceberam. Seguiram em frente sem olhar pros lados, quase catatônicos, zapeando e zumbizando no celular. E isso não é mentirinha nem ficção.


Considerando que depois da letra Z não existe mais nada, e que o as mudanças tem acontecido num zap, é bom a gente começar a pensar logo em qual será a letra do alfabeto mais apropriada para caracterizar a próxima geração. Ou teremos que escolher o abc de outro alfabeto?