É a segunda vez que meu gosto musical surpreende meus amigos.
Como eu tive enorme influência da MPB desde a pré-adolescência, quando eu já
admirava e praticava Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Beto Guedes, 14 Bis e
companhia, a galera ficou meio confusa quando eu curti a canção “Sonho de Ícaro”, com o
Byafra, na década de 80. Isto sem contar alguns hits do Peninha, Fábio Jr, Chitãozinho e
Chororó, Claudinho e Bochecha etc. Meus amigos diziam: "Isso é muito brega!". Pois bem, agora é a hora do Show das Poderosas, com a
Annita. Curto muito esse som! Tal situação me motivou a apresentar três razões pra essa minha
recaída. Prepara!
A primeira razão para curtir o Show das Poderosas tem a ver
com o balanço mesmo. É um som descolado, swingado, irmão do funk e da ginga,
primo do batuque-samba-funk, que mexe com nossas raízes, nossa história e nosso
esqueleto. É a nossa mão batendo na mesa e o nosso pezinho no chão marcando o
ritmo, ainda que discretamente, muitas vezes sem perceber, e até mesmo sem
gostar do gênero musical em questão. Além disso, esse balanço tem mais métrica
e poesia do que muitas músicas badaladíssimas que tocam exaustivamente por aí.
A segunda razão é de caráter sociológico. Gostaria de
discorrer muitas coisas sobre isso, mas me restrinjo a dizer que é um som do
povo, ou um show do povo. Sua alma popular se manifesta não só como expressão
cultural, mas também como protesto diante de diversos preconceitos, repressões
e monopólios. Isto se revela nas frases do tipo “Prepara! Agora é a hora!” e
“Meu exército é pesado!”. São como gritos de guerra, só que sem violência.
É como se fosse um movimento capaz de resistir e até combater “as invejosas”
que, é óbvio, simbolizam os preconceitos, repressões e monopólios já citados. E
mesmo que seja apenas “dançando”, o movimento é tão impactante que deixará
muita gente “babando”.
O último motivo é uma mistura de questão política com questão
pessoal. Prefiro o Show das Poderosas da Annita ao show dos poderosos. Cansei
de sofrer as performances dos poderes terrenos que atuam no Brasil e no mundo, tanto no
contexto político, econômico, militar e religioso quanto no contexto tecnológico,
midiático e até mesmo cultural. São tiranias, oligarquias, cleros e
absolutismos antigos e modernos que sempre tentaram manipular e monopolizar
nossa opinião, nossa vida e nosso destino. São segmentos que se intitulam e
agem como se fossem especialistas em tudo e autoridades em matéria de ideologia,
saber, cultura e sucesso. É melhor dançar ao som do Show das Poderosas do que
dançar conforme a música de certos poderes que fazem o povo “descer e rebolar”
há muito tempo. Nesse sentido, vale destacar que a proposta da Annita talvez não
traga solução sobre os preconceitos e tiranias do nosso mundo, mas pelo menos
proporciona alívio e diversão no meio das pressões a que somos submetidos (já
posso imaginar “as invejosas” de plantão censurando a expressão alívio e diversão).
Por fim, desejo boa sorte e juízo ao exército das poderosas.
Que elas não sucumbam, não se vendam e não se rendam ao esquema manipulador e
monopolizador que ronda ao derredor procurando a quem devorar, como aconteceu
com alguns dos heróis da minha pré-adolescência, que ou se associaram ao show
dos poderosos ou morreram de overdose.