quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Uns Iguais Aos Outros

Não faz muito tempo, sentei-me próximo a dois jovens numa poltrona do shopping e, mesmo sem querer, ouvi o desabafo que faziam sobre seus próprios sentimentos. Percebi que um deles estava meio constrangido e um pouco apreensivo, então imaginei que estivesse contando algo muito sério, um grave problema ou um tipo de confissão. E, de certo modo, era mais ou menos isso. Ele estava em dúvida se algumas de suas atitudes secretas eram normais ou se havia alguma coisa muito errada em seu comportamento. Em outras palavras, o moço queria  saber o seguinte: “Será que só eu faço as coisas esquisitas que faço? ”.
A primeira revelação que o jovem fez ao amigo me deixou estarrecido logo de cara. Ele disse que, de vez em quando, limpa caca de nariz debaixo de algum móvel ou no lençol da cama ou na parede ou até mesmo nas poltronas do shopping. Que horror! Fiquei tão impactado que quase passei a mão no meu nariz pra ver se tinha alguma caca dando sopa. Disfarcei bem, dei uma boa olhada na poltrona em que eu estava sentado e continuei ouvindo seu relato em silêncio. Mas de repente bateu uma certa curiosidade: Será que existem mais pessoas neste mundo cometendo o mesmo crime com a caca do próprio nariz? Será que o nobre leitor ou leitora que agora medita nestas palavras já cometeu tal delito algum dia? Quanto a mim, sou inocente até que se prove o contrário. Tenho o direito de ficar calado. Falarei sobre isso na presença do meu advogado.

A segunda revelação do moço foi mais bombástica ainda. Ele contou que, pelo menos umas três vezes na sua vida, soltou pum em um corredor do supermercado e logo correu para o outro corredor a fim de ter o álibi de que não estava no local do crime, mesmo porque o repositor que trabalhava bem perto dali parecia já sentir algo diferente no ar. Quando ele contou isso, por pouco eu não caí da poltrona. Na verdade, eu fiquei tão pasmado que quase soltei um pum ali mesmo e saí correndo pro outro lado do shopping a fim de não levantarem suspeita contra mim. E finalmente entendi porque às vezes eu sinto cheiro de pum em algum corredor de supermercado completamente vazio: Ou alguém soltou pum ali e logo mudou de corredor, ou eu andei em círculo e não percebi. Mas o que fazer diante dessa situação delicada? O que dizer para uma pessoa que solta pum no supermercado e não assume? O que dizer para um jovem que fez aquilo que eu também já fiz mas pensava que ninguém mais o fizesse? E foi aí que quase pirei: “Será que existem mais peidorreiros entre a terra e o céu do que a nossa vã filosofia poderia admitir?”, parafraseando Shakespeare. E agora? Como ir ao supermercado a partir de hoje sem imaginar que todos estão mudando de corredor apenas para não deixar pistas? A única perspectiva que me consola em matéria de soltar pum em público é ver a autenticidade e a inocência do meu filho soltando ”pum do sovaco”; parece pum de verdade. Outro dia ele fez isso em pleno supermercado, foi engraçado. Só não entendi porque ele mudou de corredor rapidamente e me deixou sozinho próximo ao repositor...

A terceira e última bomba que o rapaz compartilhou com seu amigo foi dizer que quando ele passa em frente ao motel, mesmo sem querer, e como quem não quer nada, ele dá uma olhadinha só pra ver se tem alguém entrando ou saindo de lá. Ao ouvir isso fiquei até trêmulo. Foi como o mundo desabasse sobre mim! Eu não sabia onde enfiar a cara! Lembrei que eu passo em frente a um motel praticamente duas ou quatro vezes por dia, e quase sempre eu vejo carros dando seta no meio da rua indicando que vão entrar no recinto. No mesmo sentido, quase todos os dias vejo os pneuzinhos dos carros por baixo do portão de saída aguardando o portão abrir para que possam ir embora do estabelecimento.  Então vem a dúvida: “Olho ou não olho?” E se for alguém conhecido entrando ali? E se for um daqueles caras casados que vivem dando uma de santão saindo de lá com outra mulher? E se for um daqueles caras casados que vivem dando uma de santão saindo dali com outro cara casado que também dá uma de santão? Seria uma chance em um milhão de flagrar alguma coisa. Que curiosidade! O mais interessante é notar que, além de ter muita gente que passa de carro olhando para as fachadas dos motéis, tem muitos outros que ficam vigiando se os motoristas que passam por ali vão olhar na direção do motel ou não. Parece que todos se vigiam mutuamente. Ora, se a expectativa é grande do lado de fora, imagine do lado de dentro. Isso mesmo! Imagine a expectativa de quem está saindo do motel sem saber quem vai encontrar lá fora... ainda mais se for os caras casados com ar de santão. Que stress! Tem que ficar de olho em todo mundo que está passando na rua, nos motoristas, nos que vigiam os motoristas, nos pedestres, nos automóveis estacionados próximo ao local, nos ambulantes, no varredores de rua, nos carros de propaganda eleitoral, no helicóptero da polícia etc.

Poucos minutos depois de falarem sobre esse assunto, os dois amigos saíram dali rapidamente e foram embora. Não sei se soltaram um pum e evadiram do local ou se foram passar em frente a algum motel pra tentar flagrar alguma coisa interessante. Mas isto também não faz diferença. O que importa é que eu pude perceber que, de modo geral, somos  uns iguais aos outros em diversas coisas símplices, toscas e periféricas do dia a dia. Isso é normal.  Mas seria muito bom se também fôssemos uns iguais aos outros em atitudes mais nobres, edificantes e relevantes para nossa vida, para o próximo e para a sociedade como um todo. Seria  excelente se,  além de limpar a caca do nariz sem cerimônia, nós também cooperássemos com a justiça, com a paz e com o bem comum com a mesma naturalidade com que uma criança solta pum do sovaco, como podemos conferir no link   //youtu.be/Dd139JzotVE .

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